Em tempos de discussão sobre a coerência entre custo e qualidade do transporte público urbano brasileiro, a Região Metropolitana do Recife começa a testar a biometria digital, uma ferramenta fundamental para acabar com as fraudes no uso das gratuidades, que encarecem a operação e terminam sendo bancadas pelo usuário que paga a passagem inteira. Por enquanto, apenas 39% dos passageiros que possuem o benefício da gratuidade estão aptos a fazer uso da nova tecnologia nos ônibus. Mas a meta é incluir todos até o ano que vem. O público alvo principal no Grande Recife são os usuários do cartão VEM Livre Acesso e do VEM Estudantil. Em muitas cidades brasileiras os idosos também integram o grupo, mas por enquanto não há previsão para eles iniciarem o cadastro biométrico no sistema metropolitano recifense.
Segundo informações da Urbana-PE, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco, 60% da frota de 3.600 ônibus em circulação no sistema já está com o equipamento embarcado, composto de um leitor digital, que fica integrado ao leitor dos cartões VEM, ao lado da catraca. A operação da ferramenta é simples: depois de fazer o cadastro no Posto do VEM, na Boa Vista, Centro do Recife, o passageiro embarca normalmente no ônibus e, ao apresentar o cartão, é solicitada a digital. “A partir daí basta a pessoa deslizar o dedo sobre o leitor digital. Antes, será indicado qual o dedo ele deverá utilizar, escolhido previamente durante o cadastro. Evitar a fraude é uma consequência da biometria digital. O que a Urbana–PE busca ao adotar a tecnologia é moralizar o uso da gratuidade”, argumenta o superintendente.
Segundo Pedro Ferreira, embora as fraudes com o uso do benefício sejam constantes no sistema, é difícil flagrá–las. “Quando a pessoa passa o mesmo cartão de Livre Acesso, por exemplo, duas, três, quatro vezes no mesmo ônibus, percebemos e bloqueamos o cartão. A pessoa é obrigada a comparecer ao Posto do VEM, nós alertamos sobre o uso indevido e, acontecendo novamente, até suspendemos o benefício. Mas quando a fraude é mais camuflada, fica difícil”, afirma.
Por enquanto, os 39% dos passageiros que têm direito à gratuidade e já fizeram o cadastramento dividem-se da seguinte forma: 100% dos estudantes universitários, 30% dos estudantes secundaristas, 100% dos rodoviários e 35% do VEM Livre Acesso. “O processo de cadastramento leva tempo porque precisamos atrair os usuários. Mas estamos cumprindo um cronograma. A medida que as pessoas vão atualizar o cadastro dos cartões, retirar a primeira ou a segunda vias nós fazemos o cadastramento biométrico. Nossa meta é atingir 100% dos grupos que têm direito à gratuidade”, garante Pedro Ferreira.
A biometria digital está sendo bancada pelos empresários do sistema. Custa R$ 5 milhões, em média, incluindo os equipamentos embarcados nos ônibus e o software. Nas ruas, a população em sua maioria ainda desconhece a tecnologia. Mas quem usou aprova.
“Trabalhei num ônibus no último domingo que possuía o validador digital e alguns passageiros precisaram colocar o dedo para comprovar que eram os titulares dos cartões de Livre Acesso. Funcionou sem problemas. Acho correto porque só deve usar o benefício quem de fato tem direito”, defende a cobradora da linha Brejo, Joana Oliveira, há 15 anos na profissão.

Foto: Michele Souza/JC Imagem
BENEFÍCIOS SÃO FATO, MAS TAMBÉM HÁ ÔNUS
Os benefícios da biometria digital no combate às fraudes no uso das gratuidades são fato, comprovados inclusive por instituições técnicas, como a Associação Nacional das Empresas de Transporte de Passageiros (NTU). Mas nem tudo são bônus. Falhas na leitura do validador acontecem, assim como é comum a falta de habilidade dos passageiros e operadores, criando conflitos no interior dos ônibus e retardando o embarque, principalmente quando os idosos passam a fazer parte do processo.
Levantamento feito pela NTU com base na experiência de algumas cidades mostra que isso é verdade. No caso dos idosos, o fato de possuírem os sulcos ou ranhuras dos dedos já gastos dificultam o reconhecimento pelo leitor biométrico. O acúmulo de sujeira no leitor também influencia na exatidão da autenticação, por isso ele deve ser limpo constantemente. “Percebe-se, em alguns casos, o aumento do tempo de embarque (dwell time) dos usuários, o que provoca a redução da velocidade comercial dos coletivos. O atraso também gera aumento das filas de ônibus nos pontos de embarque e desembarque ao longo de itinerários e, consequentemente, a formação de comboios. Mas é indiscutível os benefícios da biometria. A questão é usar uma boa tecnologia e fazer a manutenção devida”, argumenta o diretor administrativo da NTU, Marcos Bicalho. Atualmente, pelo menos 15 cidades brasileiras já possuem a biometria digital ou estão em fase de implantação.
BIOMETRIA FACIAL
Há quem defenda que a biometria digital já é coisa do passado e que a tecnologia ideal, moderna, é a facial, ou seja, de reconhecimento da face. A diferença é que, atualmente, a biometria facial não é feita em tempo real. “A identificação do passageiro é realizada no ônibus, mas os dados são checados e confirmados apenas quando o coletivo retorna à garagem. Funciona, mas o ideal é que fosse em tempo real, exatamente para evitar a fraude. Não conheço sistemas que façam uso dessa tecnologia em tempo real”, argumenta Marcos Bicalho.
Jc Online